Artes

Sonia Lins

Lygia entrou no Instituto de Surdos-Mudos para dar aulas de arte e surda ficou. Era como entrar em bolha de barulho. Sons agudos e guturais em coral eram reforçados por escalas de gestos que iam dos menos puros aos mais pornográficos.

Pedir silêncio se já viviam em aquário sem som? Seria mais razoável pedir barulho. Lygia optou por se tornar muda depois de ter assobiado, gritado, batido palmas e quando calou a boca, acabou conseguindo que lhe trouxessem os desenhos que haviam feito sob a orientação de outras professoras.

Eram escovas de dente, fogões, sutiens, cabeças carecas, desenhos copiados de anúncios de jornais e pequenas publicações em preto e branco, cujas páginas rasgadas eram jogadas para cima para serem esmagadas pelos sapatos de crianças que jamais escutariam o barulho dos próprios pés correndo em corredores, o ritmo dos saltos quando pulavam degraus de escada e o riso se transformando em cascata dentro de gargantas.

Lygia chegara da primeira estada em Paris; do casamento conservara os filhos e o sobrenome. Aloysio não sumira, era muito grande, mas já não era seu marido.

Vieram com ela os primeiros quadros a óleo, abstratos, todos eles emoldurados, a superfície da tela toda coberta por camada de tinta azul escuro transparente e no abstrato do desenho, o Bicho lá estava escondido.

As malas trazidas estavam grávidas de livros de arte e foi mostrando-os aos alunos que nada diziam e muito gritavam que Lygia, através de gestos com eles aprendidos, convenceu-os a fazerem transposições de pinturas de Picasso, Matisse, Toulouse Lautrec e Soutine, e obras-tias começaram a brotar sobre suas carteiras. Lygia saía cedo de casa com os dentes escovados por cigarro mantido colado aos lábios, a cara descometizada, examinava os trabalhos dos meninos no barulho do silêncio e, através de gestos, mostrava aprovação ou não ao que lhe era mostrado.