Fome

"Sei que estou fazendo algo diferente de tudo o que eu faço. Mas eu já estou numa idade em que posso fazer o que quiser."

Walter Carvalho já era um principais diretores de fotografia do Brasil, com trabalhos como Lavoura arcaica e Abril despedaçado quando, indicado por um amigo comum, foi visitar Sonia Lins em sua casa, em algum momento entre o fim de 2002 e o início de 2003. A artista queria um parceiro para produzir um filme que seria parte da sua nova exposição, Brasil passado a sujo. Walter ficou tocado pela fragilidade de Sonia, abatida pela batalha contra o câncer. "Ela estava muito fraquinha, muito debilitada. Parecia que ia se quebrar", lembra ele.

Apesar da fraqueza, Sonia continuava vivaz e ativa artisticamente. Mostrou alguns desenhos a Walter, em um story board improvisado. "Ela chegou com a ideia pronta: queria que a palavra ‘Fome’ fosse devorada por animais", conta o cineasta. Em razão da doença, Walter teria de realizar o filme sem a sua supervisão direta. "Era uma dupla responsabilidade", conta.

O resultado – um curta de 3 minutos – ficou impactante. Walter levou para a Cinelândia, praça no Centro do Rio de Janeiro, a grua mais alta que havia na cidade, de cerca de dez metros. Com a grua, fotografou do alto o milho ao ser espalhado no chão, formando quatro letras de grandes dimensões. Em pouco tempo, elas estavam completamente cobertas de pombos famintos. Como queria Sonia, a Fome foi, poeticamente, devorada.