"Está chegando a / hora de eu morrer / e já estou com saudade de mim"
Numa pequena caderneta preta de bordas douradas, o último livro de Sonia Lins nasceu devagar, em notas e frases rascunhadas no ritmo permitido pelo trabalho e pelo tratamento do câncer, que se agravou em 2003. Sempre apaixonada pelo grafismo da palavra, mesmo ali Sonia não deixava de lado o gesto estético: cada página continha uma frase ou poema. Alguns eram escritos de cabeça para baixo. Às vezes, ocupavam duas páginas, como neste balanço: "Tudo que perdi acabei ganhando / tudo que ganhei acabei perdendo".
Entre os textos, as tiradas bem humoradas, típicas de Sonia: "quando eu estiver calada / não me interrompa / pois estou falando comigo". Outros textos fazem referencia a trabalhos, como as exposições Zumbigos e Brasil passado a sujo. Em geral, o tom é reflexivo. No seu último ano de vida, Sonia pensava sobre o envelhecimento e repassava a vida: "todos nós / gostaríamos de ter / algumas páginas / de nossas biografias / arrancadas / a minha já foi / depenada". Impresso em pequeno formato, o caderno de anotações resultou no Livro das dessabedorias, título escrito pela própria autora, à caneta.