Apresentação da mostra "Se é para brincar eu também gosto"

Jean Boghici*

Conheci Sonia Lins em 1958, apresentada por sua irmã Lygia Clark. Sonia tinha estudado pintura em Paris com Dobrinski, amigo de Soutine e Modigliani.

Desde seus primeiros trabalhos, sempre se interessou pelo rumo das artes no Brasil e no mundo, e foi talvez a poesia concreta que despertou nela o envolvimento com a linguagem, vocação esquecida nos meandros de sua memória. O onomatopaico Baticum é a primeira tentativa de reconstruir, numa nova linguagem, as reminiscências da Belo Horizonte de sua infância.

Seu livro Árvore – desenhos, letras, textos, fotos de árvores coladas, cortadas e recortadas, luta entre o vermelho-fogo-morte e seu complementar verde-floresta-vida, dramático apelo ao cessar fogo, apresentado num comovente texto por sua amiga pintora Hanna Szulc – é um verdadeiro poema ecológico que devemos colocar ao lado das queimadas de Parreiras, de Krajcberg e do filme de Henri Stahl, Homens das sombras.

Não é o lado dramático que caracteriza Sonia, mas um fino humor, inerente ao seu temperamento, que está presente no grafismo do Eu partícula de mim e, como um DNA do seu próprio corpo (o eu que já fui quando não sabia de mim), encontra seu equivalente plástico no ponto de crochê de uma prosaica malha que alegremente faz e desfaz seus originalíssimos desenhos. É também o humor que ilustra a história de dois seios que viram gente, se abraçam, brigam, se afastam, fazem as pazes como irmãos siameses presos na fatalidade do mesmo corpo.

Se é para brincar ela também gosta, quando desenrola seus poemas impressos em papel higiênico, de um seio de borracha faz uma inesperada mamadeira, com a camisa Nós veste várias pessoas ao mesmo tempo ou inventa o genial guarda-chuva morcego, que faria inveja a Breton. Seu filme, clímax do Eu, acompanha com humor e fantasia sua exuberante vitalidade.

E, paradoxalmente, por ter levado sua arte muito a sério, ela soube esperar. Arte, antiarte, cara ou coroa da mesma moeda; como a vida e a morte, uma não existiria sem a outra. Viva a vida, viva Sonia!

Jean Boghici

Jean Boghici  é um colecionador e marchand brasileiro. De origem romena, foi um  pioneiro do mercado da arte no Brasil.  Organizou exposições marcantes  como Missão artística francesa e pintores viajantes: França - Brasil no século XIX, pelos 200 anos da Revolução Francesa, e Natureza: quatro séculos de arte no Brasil, em 1992. Seu acervo reúne quadros dos mais  importantes artistas brasileiros.