Meu Nome é Eu

"O eu é uma palavra muito pequenininha com um significado muito grande."

Em 1999, Sonia decidiu fazer um vídeo para apresentar na sua mostra Se é para brincar eu também gosto. Para fazê-lo, contratou a jovem diretora Alice Andrade, sua amiga de Paris e filha do cineasta Joaquim Pedro de Andrade. Foi dela o roteiro original, onde, como conta Alice, “já estavam incluídas muitas das ideias do filme que, como nos desenhos [de Sonia], partiam do individual e do pequeno para o coletivo e o universal”.

O filme começa com uma citação ao clássico curta-metragem de Humberto Mauro, A velha a fiar. “O novelo e o tricô da velha serviam de fio condutor metafórico do nosso filme. O homem de lã que ela tecia, e depois se desfiava, era um arquétipo de todo o seu trabalho, com muitas camadas de interpretação possíveis, passando pelo fio de Ariadne no labirinto do Minotauro e a Penélope na Ilíada”, continua Alice.

Filmado em preto-e-branco, o vídeo deveria ter tido Sonia como protagonista. Mas, ao se ver no filme, a vaidosa Sonia decidiu que sua participação seria cortada – vá lá, reduzida. Inventou uma vovó que a tiraria de cena. A avó tricota, liga a televisão e, ao ver Sonia no aparelho, muda de canal para assistir cenas de futebol (aliás, trechos do documentário Garrincha, alegria do povo, de Joaquim Pedro de Andrade). “Talvez quisesse com ela representar a velhice que não desejava para si, sentada numa cadeira de balanço, solitária, a tricotar diante da televisão”, escreveu o jornalista Marcel Souto Maior, na biografia Sonia Lins. “A impaciência da senhora ante a explicação da arte calhou bem à autocrítica irreverente que a própria Sonia fazia de si mesma”, lembra a diretora.

Ao longo do filme, o trabalho das agulhas da idosa ganha vida e torna-se um homem feito de tricô, desenhado por Sonia e depois animado pelo especialista em efeitos especiais Chand Dao Ngam. Em outra cena memorável, Alice pede que passantes vistam uma gigantesca camiseta, na qual se lê a palavra “Nós”. “Deve ser algum tipo de teste psicológico”, diz um turista, de origem oriental. “Nós somos arte”, afirma um homem para a mulher.