O que são instalações
Quando nos convidam para uma "exposição de artes plásticas", a primeira ideia que nos vem à cabeça é que vamos ver uma sequência de quadros ou de esculturas. No entanto, na arte contemporânea, existe uma outra modalidade que se chama "instalação". Tem esse nome porque é fruto de uma montagem de vários elementos num determinado espaço, com o objetivo de formar um "todo". O que importa artisticamente numa instalação é o resultado do conjunto, ou seja, o todo. São trabalhos tridimensionais, geralmente de grandes proporções, que impressionam o espectador não apenas através da visão, mas também através da "experiência" que se tem ao passear dentro delas, ou mesmo ao tocar ou manipular seus elementos. Desse modo, a instalação é uma obra de arte que não se pode adquirir e levar para casa. Geralmente, no final da exposição ela é "desinstalada" e só permanecerá na nossa memória ou em registros fotográficos, filmes ou vídeos.
Sobre o título "Brasil passado a sujo"
"Passar a limpo" é uma expressão que todo mundo conhece desde criancinha. Aprendemos na escola que as lições devem ser feitas primeiro num papel de rascunho, onde se pode riscar, escrever por cima, borrar, etc. Só depois, quando todas as dúvidas estiverem resolvidas, é hora de "passar a limpo", ou seja, de escrever tudo direitinho e sem rabiscos no caderno.
O que significa então o "Brasil passado a sujo"? Para tentar responder a isso, é preciso saber, antes de mais nada, que os temas tratados por Sonia Lins nesta exposição referem-se a certos aspectos da realidade política e social brasileira que vêm sendo publicados na imprensa escrita há mais de um século.
Então, para decifrar o "Brasil passado a sujo", vamos pensar em algumas possibilidades: talvez os jornais e revistas que inspiraram a artista representem os cadernos escolares; talvez a expressão "passar a sujo" não tenha nada a ver com borrões e rabiscos, mas sim com o conteúdo dos fatos publicados; talvez seja uma forma de nos mostrar que o lado sujo da realidade está expresso diariamente nas notícias e a gente já nem se dá conta dele; talvez seja apenas uma crítica, ou uma reflexão, ou um simples jogo de palavras. Ou tudo isso junto?
Você só descobrirá depois de visitar as quatro instalações. Cada uma delas tem um nome. E como Sonia Lins adora brincar com as palavras, três desses nomes guardam um mistério. Vamos a eles:
"Terra Desprometida"
Para compreender essa instalação é preciso conhecer a história da terra prometida. Está na Bíblia e é mais ou menos assim: os hebreus, guiados por Moisés, fugiram da escravidão no Egito em busca de uma terra prometida por Deus, onde poderiam construir suas casas, sua sociedade e viver livremente. Tiveram de atravessar o deserto enfrentando muitas dificuldades. Uma delas foi a falta de comida. Atendendo às orações de Moisés, Deus teria feito cair do céu umas frutinhas chamadas "maná". O que será então a "terra desprometida"? Será no Brasil? Serão as terras de que tantos precisam e que tão poucos possuem? Serão as terras de uma reforma agrária que nunca acontece? E onde o maná jamais cai do céu?
"Demogogia"
Você certamente já ouviu falar em "demagogia", com a. É uma palavra que se aplica principalmente à política. Quem faz demagogia são os políticos sem escrúpulos que, para vencer eleições e conquistar o poder, fazem belos discursos, jurando ao povo (principalmente ao povo mais carente) que serão capazes de resolver todos os seus problemas e realizar todos os seus sonhos. Os demagogos são hábeis em descobrir as paixões populares e se aproveitar da ingenuidade das pessoas. Conseguem iludir e manipular o povo com promessas que nunca serão cumpridas. Costumam evocar Deus e garantir milagres que jamais acontecerão. Inventam ter realizado grandes proezas que nunca aconteceram. Bajulam o povo com todos os falatórios possíveis para, finalmente, conquistar o poder e satisfazer suas próprias ambições. Em suma, demagogia é o ato de enganar e manipular o povo para tirar proveito pessoal. Mas Sonia Lins usou a palavra demogogia, com o. Será que tem a ver com o demônio? Será que o demônio é demagogo? Ou o contrário? Está fácil, hem?
"Cor opção"
Já o termo "cor opção" – outra brincadeira de Sonia – é mais complicado. Vem, é claro, da palavra corrupção, que é o tema da terceira instalação. Assim como a demagogia se aplica à política, a corrupção está ligada principalmente ao poder público. Significa o emprego de meios ilegais dentro do serviço público em benefício de interesses particulares. Por lei, os órgãos públicos – sustentados com os impostos pagos pelo povo – têm o dever de atender a todos os cidadãos com absoluta igualdade. Qualquer privilégio feito a alguém em particular pelo serviço público é considerado corrupção. Corrupto é aquele que, ocupando um cargo público, aproveita-se dessa condição para favorecer alguém em particular e receber algum tipo de recompensa (geralmente dinheiro). Então, como se pode ver diariamente nos jornais, a corrupção atravessa todas as atividades do setor público, desde o guarda de trânsito até os políticos e administradores que controlam o orçamento público.
Na instalação que aborda esse tema, Sonia Lins usou a imagem da bandeira brasileira juntamente com imagens de corruptos. Estas imagens são coloridas, mas, de uma hora para outra, elas ficam em preto e branco. Sonia chamou esse trabalho de "cor opção". Por quê? Tire, você mesmo, suas conclusões.
"Fome"
Essa é uma palavra que não precisa de explicação. Não tem mistério. E Sonia Lins não brincou com ela. Mais uma vez ela recorreu aos jornais e revistas, talvez para nos mostrar que há mais de um século a imprensa brasileira aponta em suas manchetes o problema da fome, nunca resolvido. Que ligação este tem com os anteriores? Arte é intriga, nos obriga a pensar.