Millôr Fernandes*
Faber, o que faz, sapiens, o que sabe, ludens, o que, em sabendo como fazer, e fazendo como sabe, se diverte paca com o entrosamento dos dois: o ser humano lúdico.
Daí Sonia Ludens. Que chegou para o que chamam de arte com experiência existencial plena, clara, satisfeita. Com encanto e envolvimento com cultura em seu sentido mais amplo, aquele a que sua faixa social e sua sensibilidade pessoal a levaram naturalmente. Quando percebeu – se é que parou para perceber – estava pronta. Não foi conduzida à arte pelos caminhos habituais da amargura e da frustração. Assim é fácil.
Sonia Lins Ludens dá-me a impressão de que começou a desenhar, a escrever, a colecionar recortes e ideias os mais diversos, como quem desenha, escreve e coleciona ideias e recortes os mais diversos. Se é que entendem.
Gozando com o lúdico absoluto, frenético, aquele impulso que os sábios que pesquisam o fundamento da alegria, do jogo, do brinquedo, descrevem como uma descarga de excessiva energia vital, satisfação do espírito imitativo, do quê não se sabe.
Mais que aqui está, achamos, neste conjunto, nesta instalação, nesta proposta. Uma dinâmica. Um convite à participação. Aquilo que pode ser o homem em processo, ou melhor, a mulher em transe. Amálgama de núcleos existencialmente explosivos. Fusão e imantação de partes. A sombra de uma ideia, o lúdico acobertando o leviano. Tão certo quanto nada é certo.
Quem tiver olhos, ouvirá. Os que escutam, verão. Os que sabem calar sairão cantando: o homem é um homem ou o resto de uma intriga? E evidente que, fazendo isto, Sonia se divertiu muito. Divirtam-se.
Millôr Fernandes (1923-2012) foi um dos principais nomes do desenho, humor e do jornalismo brasileiro. Autor de 120 livros e 80 peças, trabalhou no Cruzeiro, Pasquim e Veja