Sonia Lins
"Tateando no escuro dentro de estrutura de oito metros de comprimento, cujo centro era construído por grande balão de plástico, com paredes deformadas, Lygia Clark pisou em lona estendida, esticada pouco acima do piso, e perdeu o equilíbrio. No escuro apalpa paredes que cedem da mesma maneira que o piso. Lygia prosseguiu o caminho através do tato e penetrou em espaço cheio de balões que lhe tiraram o equilíbrio, derrubando-a; conseguiu sair pela passagem estreita de onde se via arremedo de luz, sentiu no rosto a aspereza de franjas na saída do labirinto construído por ela em 1968.
Lygia chorou, acabara de nascer.
A parteira Deolinda, cabelos embranquecendo em têmpora preta, ajuntou a grossura dos lábios num muxoxo de censura, murmurando: menina...
Jair também lábios juntou para assobiar e dando passadas maiores do que permitiam tamanho de pernas, chaves balançando pelo gingado do corpo, foi redigir telegrama ao pai, agora ministro, residindo no Rio de Janeiro:
"Nasceu mulher, 10 horas da noite, Ruth passando bem."
21 de Outubro de 1920.
Ruth piscando olhos enormes comentava o susto: Lygia nascera sentada!
Era um miúdo escorpião de outubro, cujo choro escalava paredes, debatendo-se em vitrais, vazando amarelo e verde separados pelo preto, preenchendo espaço de rua. Lygia, mais cabeça do que tronco e mais tronco do que membros, tinha olhos famintos procurando peito de mãe esgotado pelas irmãs antes nascidas."