Numa viagem a Paris, Heloisa foi visitar a velha amiga, Sonia. E foi lá que ela se deparou, pela primeira vez, com os desenhos da série ‘Eu’. Heloísa ficou fascinada pela qualidade e pela originalidade das obras. Quis tocá-las, mas não teve coragem. Sonia parecia dividir-se entre o orgulho e o ciúme dos grafismos.

– Por que você não faz uma exposição com estes trabalhos lá no Museu de Belas Artes? – convidou.

Sonia, que até então tinha apenas flertado com as artes plásticas, sentiu vontade de assumir um compromisso mais sério.

– Por que não?

Sessenta desenhos. Esta era a encomenda. Para cumprir a meta, Sonia passou  a trabalhar em ritmo incessante, com uma disciplina e um perfeccionismo quase desconhecidos para si mesma.

Cada desenho exigia dela no mínimo cinco dias de lapidação. Um tricô delicado, um bordado prestes a desandar, uma tensão permanente e irresistível para quem, como Sonia, sempre gostou  de desafios.

– Sou a anti-profissional, a anti-objetiva. Quando você é obrigado a fazer uma coisa, isso acentua a sua criatividade. Não deixa ela acabar.

Sonia falava pouco da irmã, mas parte de seu novo entusiasmo pela arte – e pelo desejo de se expor – pode ter sido deflagrado por uma visita a uma retrospectiva de Lygia na Europa. Ao percorrer aquelas salões, contou à Heloísa, ela percebeu pela primeira vez que tinha convivido com um gênio.

– Eu tenho que trabalhar também – pensou.

Heloísa estimulava a estreia tardia de Sonia com uma frase de impacto.

– Você vai prestar contas do talento que recebeu.