Artista plástica e escritora, Sonia Lins criou livros, contos, poemas, desenhos, objetos e vídeos carregados de irreverência, humor e inspirações surrealistas. Este site reúne toda a sua obra literária e visual, há anos inacessível ao público, além de documentos, informações sobre a sua vida e depoimentos em vídeo de seus contemporâneos. LEIA MAIS
Artista plástica e escritora, Sonia Lins (1919-2003) criou uma obra diversificada e surpreendente conjugando dois verbos: criar e brincar. “Não me levem a sério que só me levo a riso”, dizia, enquanto produzia textos, poemas, desenhos, objetos e vídeos carregados de irreverência, humor e inspirações surrealistas.
Irmã da artista Lygia Clark, Sonia levou tempo para apostar publicamente no seu talento: embora escrevesse desde a juventude, só aos 59 anos lançou o primeiro livro, o impressionante Baticum (1978). Outros nove se seguiram, entre eles o instigante Artes (1996), que relaciona os episódios da infância de Lygia (e de Sonia também) à sua criação artística; e És tudo (1999), de poemas, cuja primeira edição foi impressa em formato de papel higiênico. Outras obras são essencialmente visuais, como o Livro da árvore (1984) e Eu(1999).
Sonia encarava o fazer artístico com simplicidade. Criar por criar, para se divertir – era o seu lema. E assim, nas madrugadas insones, ela produzia desenhos, colagens e poemas. Aos 81 anos, em novembro de 2000, realizou a sua primeira exposição, Se é para brincar eu também gosto. Um momento de grande produtividade artística, em que Sonia concretizou projetos antigos, como o objeto guarda-chuva morcego, e se lançou em novas linguagens, como o vídeo Meu nome é eu. O cometa criativo ainda trouxe duas novas mostras, Zumbigos (2002) e Brasil passado a sujo (2003), antes da sua morte.
Desde 2006, quando foi realizada uma mostra póstuma, a obra de Sonia Lins esteve inacessível ao público. Seus dez livros há muito estão esgotados. Alguns dos seus trabalhos se perderam, outros foram dados a amigos; o restante está em acervos particulares. Este site devolve Sonia Lins aos seus admiradores.
A partir da pesquisa no arquivo da família, coleções particulares e veículos da imprensa, foi reunido um amplo acervo de imagens, textos, vídeos e documentos relacionados à artista. Navegando pelas páginas, é possível conferir o traçado de seus desenhos, ler seus poemas, conhecer os projetos e ambientes de suas exposições, ver as obras apresentadas e ler os textos publicados nos catálogos das mostras.
Os livros de Sonia e uma biografia estão disponíveis para download; os vídeos que produziu e entrevistas que deu podem ser assistidos, assim como depoimentos de seus contemporâneos, especialmente registrados para o site.
Durante a pesquisa, foram encontrados 25 inéditos, entre textos completos e fragmentos, que pela primeira vez podem ser lidos. Bem-vindos ao mundo de Sonia Lins.
Multimídia quando o termo ainda não era moda, Sonia Lins alternava o uso da palavra, o desenho, a escultura e o vídeo nas suas criações – e, muitas vezes, juntava todos no mesmo projeto.
Filha de tradicional família mineira, Sonia Lins sempre desafiou as convenções. Em vida, dividiu-se entre a criação dos filhos e das obras, Rio de Janeiro e Paris, arte e afetos.
1916
Casamento de Jair Pereira Lins, advogado e filho do ministro do Supremo Tribunal, e Ruth Mendes Pimentel, filha do advogado Francisco Mendes Pimentel, em 15 de agosto, em Tiradentes.
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1917
Em 1917, nasce a primeira filha do casal Ruth e Jair, Maria Beatriz Pimentel Lins.
1919
Em Belo Horizonte, numa casa na rua Pernambuco, nasce Sonia Pimentel Lins, segunda filha do casal Ruth e Jair Lins.
1920
Nasce Lygia, a terceira filha do casal Jair e Ruth.
1921
Nascimento do caçula Francisco em 27 de novembro.
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1942
Sonia Lins casa-se com Roberto, filho do advogado e ex-deputado federal Donato Andrade e muda-se para a fazenda da família, Calciolândia, em Arcos, a 210 quilômetros de Belo Horizonte. Inquieta, Sonia dá aulas de tricô para as mulheres dos lavradores e promove uma sessão de cinema para os empregados.
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1945
Nasce o primeiro filho do casal, Sérgio
1948
Nasce o segundo filho de Sonia e Roberto, Kiko.
Com seu irmão Gabriel, Roberto Andrade e o amigo Flávio Gutierrez fundam a construtora Andrade Gutierrez, que se tornaria uma das maiores do país. Para tocar o empreendimento, Roberto muda-se com Sonia e os filhos para Belo Horizonte.
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1950
Sonia e Roberto mudam-se para o Rio de Janeiro, para apartamento ao lado da irmã de Sonia, Lygia Clark, em Copacabana.
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1951
Sonia passa período em Paris com a irmã Lygia que, depois de separar-se do marido, se mudara para a capital francesa a fim de ter aulas de arte. Sonia experimenta a pintura e tem quatro obras incluídas em uma mostra de artistas iniciantes pelo professor de Lygia, Dobrinsky. Retornando ao Rio, Sonia se separa de Roberto.
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1959
Publica crônicas e poemas no prestigioso Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Sua prosa poética já anuncia o estilo de Baticum e outros livros futuros. Inicia relação amorosa com o médico Paulo Albuquerque, conhecido urologista. Apaixonado pelo mar, Paulo compra um veleiro e o casal viaja regularmente para Angra dos Reis.
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1972
Sonia começa a trabalhar no projeto de um livro sobre memórias de infância, que seria o Baticum. Troca cartas com Lygia sobre o projeto.
1978
Publicação do livro Baticum pela editora Pedra Q Ronca, de Wally Salomão. Apesar do choque de familiares com as reminiscências irônicas de Sonia, o livro é saudado por luminares como Carlos Drummond de Andrade.
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1979
Em maio, viaja com Paulo de Nova York para o arquipélago das Bermudas a bordo do novo barco dele, Victoria IV. Na viagem, escreve um divertido diário de bordo. As aventuras seriam parte do livro de Paulo, Memórias e Experiências Náuticas, publicado em 1994.
1984
Lança o Livro da Árvore, composto de colagens sobre o tema ambiental.
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1988
Morte de Lygia Clark. No funeral, conhece o crítico Guy Brett, estudioso da obra de Lygia, que se tornaria também um entusiasta do seu trabalho.
1990
Sonia dá entrada, junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), no pedido de patente de um guarda-chuva morcego – um guarda-chuva na forma do animal, mais tarde confeccionado por um especialista em efeitos especiais francês.
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1991
Muda-se para Paris com Paulo Albuquerque. O casal vive em um apartamento na ilha de Saint Louis.
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1993
Em junho, Paulo adoece, com câncer de fígado. A doença o faz voltar para se tratar no Brasil. Sonia permanece na França.
1994
Sonia muda-se para outro endereço, na rua Guynemer, e passa a abrir sua casa com cada vez maior frequência para amigos e jovens artistas. Lança o Almanaque Abre-te Sesamo.
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1995
O filho mais novo, Kiko, morre de hepatite. Sonia projeta uma capela, adornada com vitral representando Kiko, construída na sua fazenda em Kentucky, EUA.
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1996
Lança o livro Artes, sobre a relação com Lygia Clark na infância.
1997
Produz o minilivro Stop/Start, em forma de caixa de fósforo.
1998
Em setembro, viaja para Kentucky (EUA), para a inauguração da capela em homenagem a Kiko. Começa a trabalhar no livro de poemas És tudo. Começa a série de desenhos Eu.
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1999
Morre Paulo Albuquerque. A curadora Heloísa Lustosa (na foto, com Sonia e o produtor Odilon Vieira Ladeira) a convida para apresentar seus desenhos em uma exposição no Museu Nacional de Belas Artes. Edita o livro de desenhos Eu.
Publica o livro És tudo em formato de papel higiênico e o minilivro O tempo no tempo.
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2000
Desenhos de Sonia são apresentados na mostra The Shape of Words to Come, em Londres, organizada por Guy Brett.
Faz Diálogo, livro-objeto. Realiza o filme Meu nome é eu, com Alice Andrade. Em novembro, inaugura a sua primeira exposição, Se é para brincar eu também gosto, no Museu Nacional de Belas Artes.
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2001
Começa a planejar a mostra Zumbigos. Encomenda 600 fotos de umbigos à fotógrafa Bel Pedrosa. Realiza o filme Zumbigos, com Fernando Alves Pinto como ator principal. Filma nas ruas e praias do Rio de Janeiro. Recebe o diagnóstico de suspeita de câncer no intestino.
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2002
Em maio, inaugura mostra Zumbigos, no Museu Nacional de Belas Artes. Tem confirmação do diagnóstico de câncer. Para se tratar, precisa antes fazer uma cirurgia cardíaca. Depois de recuperação de seis meses, opera o cólon. Apesar de enfraquecida, começa a trabalhar na próxima exposição.
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2003
Em 24 de abril, inaugura a exposição Brasil passado a sujo, composta de instalações sobre a corrupção, a desigualdade e a política. Fazia parte da mostra um filme dirigido e fotografado por Walter Carvalho, Fome. O chargista Millôr Fernandes desenha a artista. Doente, permanece em tratamento no Brasil. Escreve numa caderneta pensamentos que seriam convertidos no Livro das dessabedorias.
Sonia Lins morre em 2 de dezembro.
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2006
Publicação da biografia Se é para brincar eu também gosto, lançada em junho na inauguração da mostra Sonia Lins, no Centro Cultural Telemar, Rio de Janeiro. Lançamento simultâneo do Livro das Dessabedorias
Ninguém se entediava perto de Sonia Lins, capaz de injetar humor nas situações mais deprimentes e enfadonhas. Suas histórias e frases irônicas ou poéticas são até hoje lembradas pelos amigos.
Cenas de Sonia
Depois de comprar um quadro de artista brasileiro muito conhecido, Sonia não ficou feliz com a aparência da obra no seu apartamento, em Paris. À noite, seu amigo Odilon Vieira Ladeira chegou cedo para um jantar ao qual compareceria o pintor da obra. Odilon notou sedimentos no chão. "Ela tinha passado bombril no quadro!", lembra Odilon. Odilon tomou o cuidado de colocar o artista sentado de costas para a pintura.
Doente, internada no hospital, Sonia recebia muitas atenções dos médicos que haviam sido amigos do também médico Paulo Albuquerque, seu companheiro. Cansada, mandou colocar um aviso na porta: "Proibidas as visitas. Inclusive para médicos."
Ao planejar uma festa, Sonia Lins costumava fazer duas listas. Uma lista dos "amigos" e outra dos "inimigos". Convidava os dois grupos. E dizia que sua vingança das inimigas era vê-las engordar com os doces servidos.
Quando Sonia soube que um casal de amigos que frequentava diariamente a sua casa de Sonia não a havia convidado para um jantar em sua casa, deu o troco. Quando os dois apareceram para o drinque diário de fim de tarde, encontraram a casa enfeitada de flores e a mesa posta, com velas, taças e os melhores talheres, para oito pessoas. Sonia não fez menção de convida-los. Depois que foram embora, a mesa foi desfeita. Já tinha cumprido a função.
Conhecida pela generosidade, Sonia costumava presentear amigos e empregados com trabalhos seus. Mas o desprendimento ia além dos seus desenhos. Quando uma empregada ficou encantada com o relógio Cartier que Sonia tinha acabado de ganhar, ela lhe deu de presente. “A moça tem tantos problemas e gostou tanto”, justificou.
Às vésperas de viajar, Sonia esqueceu a bolsa no cinema. De noite, um jovem a procurou para devolver. Sonia recebeu o rapaz, aliás prestes a casar com uma brasileira. Abriu um vinho e conversaram até tarde. Quando o rapaz se levantou para ir embora, Sonia deu a ele um dos envelopes com dinheiro que separara para fazer pagamentos e para a viagem. “Faço questão de dar o fogão para a sua cozinha”. O rapaz abriu, olhou o conteúdo e disse: “A senhora não me deu o fogão, deu a cozinha inteira.” Sonia tinha se enganado de envelope. Mas não voltou atrás.
Quebrei a palavra, deixei a letrinteira.
Não me levem a sério pois só me levo a riso.
Deus escreve torto por linhas certas.
Fugir de uma aventura é como tomar o antídoto antes do veneno.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de prisão de ventre.
Cão que ladra até que morde.
Quem odeia o bonito, feio lhe parece.
Desejamos ao velho que morra jovem o mais tarde possível.
Cada um por cima e Deus por toldo.
Por que não tem torneira em pia de água-benta?
A vítima é tão algoz quanto o próprio algoz.
O ar puro é aquele que nunca foi respirado.
Não interrompa teu pai quando ele estiver me escutando.
Traga os olhos bem abertos antes de se casar e semifechados depois.
Quando a economia diminui a consciência alarga.
A única vantagem da calvície é que ninguém desrespeitará nossos cabelos brancos.
A mais doce esperança é perder a esperança.
Deitar cedo e levantar cedo torna o homem sadio, rico e chato.
Em boca fechada não entra rosca.
Ha espelhos que gostam de nós. E outros que nos confundem com a mãe da gente.
Pássaros são folhas em férias.
por Sonia Lins
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