Analista

Sonia Lins

Com o analista, estivera em conversa durante 60 minutos. Ao se despedir retocou o pó de arroz do nariz e apertou mais 1 furo no cinto de verniz que cingia a cintura que já fora mais fina. Despreocupadamente ganhou a rua e subiu os degraus do lotação, que a 1 sinal seu, se deteve. Era a única passageira e enquanto sentia na parte posterior arranques que a deficiência de molas não conseguia amortizar, pôs-se a acender 1 cigarro. Tinha as unhas roídas. As mãos eram morenas e os dedos que procuravam na carteira, entre as notas, uma de cinco, possuíam uma qualidade viril e realizadora. Ruminava o que dissera e o que escutara durante os passados 60 minutos, quando o motorista freou inadvertidamente para colher 1 passageiro a mais. Pretendia ter uma grande safra. O passageiro era 1 idiota. Com requebros de ombros e quadris conseguiu penetrar no veículo. Impaciente o motorista imprimiu movimento à máquina e a moça que andava sendo analisada teve seu corpo arremetido para traz o que contribuiu com que se transportasse para fora de si mesma e notasse o indivíduo de pernas abertas sentado ao lado seu. Calçava botinas e mantinha erguida no ar a mão direita, buscando qualquer coisa em que pudesse se fixar e essa qualquer coisa era exatamente ela, que institivamente chegara para mais perto da janela. Corria veículo amarelo, preenchendo lacunas entre trânsito e buracos. Disfarçadamente observava, ainda, o ser ao seu lado. O sol dividia-lhe a face em duas partes: numa havia pequenas veias azuis e vigiando-as 1 olho verde. Na outra a pele amarela e também amarelo era o olho que ficara na sombra. Cabelos esfarinhando ao vento, joelhos incomodando o friso das calças e os cotovelos inquietos como orelhas de animais. As mãos cujos dedos eram azulados, quando não a buscavam, limpavam como uma pá mecânica pingos de baba que lhe escorriam pelo colete. Jogou fora a moça de lábios finos e dedos viris o cigarro que estivera a fumar e pensou em mudar de lugar. A geleia viva e incolor, descobria-a com mais intensidade a medida que, velozes, ficavam para traz os quarteirões. Se a mão arquejante a alcançasse daria 1 grito. Se ele lhe passasse por ele, ao se levantar, talvez o magoasse, talvez o enraivecesse, talvez se mesmo ele morder as nádegas quando se curvasse, evitando pisar-lhe as botinas, lembrou-se do analista a voz, tentando explicar-lhe o medo que o macho despertava nela, vivência que acompanha mulheres que antes foram roubadas e compradas, mas que hoje, libertas, também escolhem, raptam e compram homens. Um sinal vermelho se interpôs entre seus pensamentos e deteve o bicho de 4 rodas e os corpos de ambos, dela e do idiota foram propulsionados para diante. Era a vez do idiota olhá-la, mostrando dentes amarelos, a direita mão, viva e solta, oscilante como uma aranha, quase esbarrando na ponta fria da orelha dele. A moça olhou para o motorista mas dele só via os ombros – os olhos pertenciam a rua na qual deslizava. Em volta de si, os lugares eram como oásis. Se trocasse de banco o que pensaria ela mesma de si, ainda o que diria amanhã ao analista? Era melhor acalmar-se: tratava-se de 1 assexuado, certamente inofensivo, certamente de fraldas, certamente molusco e portanto esmagável, no entanto, as palmas de suas mãos viris começaram a transpirar e quando se firmou nos calcanhares para enfim se transladar deu com os olhos do motorista que a observava do espelho, fixando-a no banco como 1 prego. Bondes passavam em sentido contrário, gritos partidos de veículos mais baixos exortavam-nos e nada conseguia destorcer o idiota que como uma roseira tinha todos os seus galhos voltados para a moça que o mesmo assento compartilhava com ele. Agora mais violenta, a vibração do motor, sacudia-lhe as pernas alcançava as da moça, tremendo-lhes as bochechas dando a ambos dormência nos lábios. Pensava a moça que aquelas sensações fossem produto do asco que o ser cheio de linfa lhe provocava. Casas comerciais passavam rápidas como cartões postais e aos poucos foi reconhecendo as vitrines que circundavam sua casa. Tocou o sinal. O medo tornava-a ofegante. Ao saltar notou uma certa umidade entre joelhos. Também bufando, estava parado o lotação, esperando 1 passageiro que fazia sinal ao mesmo tempo que corria. Brilhando entre babas estava o idiota, todo mergulhado no sol que verde lhe tornavam os olhos, as mãos trêmulas não mais a buscavam no espaço, ambas acalentavam o lugar onde estivera sentada, desfrutando do calor deixado pelo seu corpo suado. As pernas que antes se mantinham quietas, abriam-se e fechavam-se em leque e as botinas continuavam a datilografar uma mensagem desconhecida no chão.

Encaminhou-se para casa. Na porta do armazém, frutas do conde desabrochavam como armas de guerra cheias de moscas. De certa maneira, também ela se sentia poluída.