Sonia Lins
Os ombros eram retos mas nada poderia arriá-los e o prejudicado nisto tudo era o pescoço. Parecia que haviam comido parte dele, e dividindo-o e encurtando-o ainda mais, dois meridianos o sulcavam. Era grosso o pescoço e tinha também uma pequena barriga e a voz que dele saía, podia ser fina ao falar, mas quando com ela cantavam, tornava-se grossa e liquida, quanto mais quente, mais fluida.
Bebia a dona do pescoço barrigudo e nos intervalos dos goles viam-se lhe os dentes. Eram brancos. Seus cabelos pretos na cabeça mantinham-se encolhidos, prontos para saltarem sobre quem com eles mexesse. Acentuava a forma dos olhos dependurando-os na ponta externa das sobrancelhas. Queria parecer uma gatamansa mas estava errada. Embora seios não tivesse, era uma pessoavaca, cujo focinho devia ser úmido e dona de mugidos que encantariam seres. Ela tinha pernas eu sei, mas via-a sempre sentada e era então mulher sossegada, mulheralmofada. Mas ouviu 1 som, franzidas foram as suas sobrancelhas, mais negros espiaram-lhe os olhos recortados na pele amarela. A música encorpava-se no espaço e toda ela devagar se batia, possuída pelo compasso.
Ergueu-se: os ombros quase roçando-lhe as orelhas, os dentes fugindo-lhe da boca de onde também a voz escapava. Tinha pernas eu sei, mas toda ela oscilava na fumaça, os braços gesticulando, manhosamente nadavam na escuridão.
Preta de preto vestida, seu sangue em vez de glóbulos era de guizos formado – escrava do ritmo – dela emanava a vibração de abelha, aliada à ferocidade do maribondo.
Seus pés não os vi, mas sei que os tinha, pois com eles batia e deviam ser os de uma cabra, tal barulho faziam.
A voz, com a força das enxurradas, penetrava em todos os ouvidos, narcotizando pessoas. A mulher, cujo pescoço tinha uma barriga, desfazia-se em sons. 1 copo de sangue foi pedido ao garçom.