Sonia Lins
Ao nascer, não decepcionou. Fez o que dele esperavam: chorou. Sorridentes começaram as pessoas da família a contarem-lhe os dedos. Havia 7 em cada mão. Assombrados pensaram em resolver o caso com cirurgia. Era cedo, mas mesmo que fosse tarde, a deformação seria inevitável. Imaginaram escondê-las dentro de luvas. Não as havia adequadas. Chegaram a elaborar a hipótese de cortá-las fora. Seriam condenados como mutiladores. Resolveram, a contragosto, deixá-las à mostra. Eram pequenas, rosadas e estranhas. Cresceram-lhe as unhas e tiveram que cortá-las. Gastavam com os 14 pequenos dedos o dobro do tempo que despendiam cortando as unhas de crianças que apenas com 10 dedos nasceram. Consequentemente ele se debatia e protestava na mesma proporção. E assim cresceu e crescendo engordou. 14 covinhas cavaram-se-lhe nas costas das mãos. Ao conhecer outras crianças depressa apercebeu-se ser ele o mais bem dotado de dedos. Com certeza, como dentes que despontavam só quando era-lhe chegada a hora, nasceriam também nas mãos das outras crianças, dedos que viessem completar-lhes a conta. E foi com esta esperança que foi matriculado na escola onde aprendeu a esconder as mãos dentro dos bolsos das calças de onde se conclui que preferia sair com 1 bolso sem calça do que com uma calça sem bolsos. Apelidaram-no 4 mãos e quando ele solitário as olhava, dava-lhe uma vontade de comer bananas, lembravam-lhe pencas cheias, de dedos, é pena. Na tabuada perdia-se entre os próprios dedos, não era possível contar com eles. Interferiam na sua caligrafia, deformando-a, tentaria a datilografia. Mais tarde maiores se tornariam os dedos e mais difícil seria escondê-los. Melhor seria terem os dedos suplementares lhes nascido nos pés. Talvez passasse a sofrer de frieiras mas os gestos ele poderia fazer livremente. Regeria até orquestras. Tentava consolar-se: não se sentiria mais infeliz se nascesse com 2 narizes? Pareceria 1 quadro moderno. E com 2 bocas? Deixaria uma para falar e outra para comer, logo não falaria mais de boca cheia. Com 4 orelhas então? Haveriam de puxá-las seguidamente. Era então se conformar e achar uma profissão. Todas, menos a de passar anel. Pianista. Tinha 1 dedo para cada nota mas ninguém queria ensiná-lo. Engenheiro, não era possível pois 1 homem que nas mãos tem 1 número errado de dedos, erraria fatalmente nos cálculos que lhe saíssem da cabeça. Padre, benzeria fiéis por detrás do confessionário mas na hora da comunhão, sofreria inibições. E a lavoura? Lhe daria mais calos do que a qualquer cidadão. E casar, até que é procissão, mas em que dedo colocar a aliança? Desesperado escreveu a 1 jornal pedindo que pensassem por ele. Tragédia exposta aguardou a resposta: Não ficasse "cheio de dedos", usufruísse do privilégio de tê-los com fartura: sentasse e as unhas roesse.