JC e JK

Sonia Lins

Virgem Maria, chegada do norte, fugia da seca e no Rio viera dar à luz. Rápido J.K. mandou-a no Viscount rumo a Brasília. Foi providenciado para o recém-nascido um berço construído pelo Niemeyer sobre 4 pilotis. Quando Cristo nasceu deram-lhe 1 cartório, vacina de B.C.G. e 1 telefone. Tiraram-lhe o dom da pobreza. Batizaram-no D. Sara + J.K. A cobertura do batismo foi feita pela revista Rio + TV Tupi. Dom Hélder Câmara, responsável pelo ato religioso, aproveitou para oferecer um apartamento de favelados para S. José. Este trabalhava numa obra, mas passou a incorporador logo depois. Aprendendo a falar, teria Cristo que discutir. Concordaram com ele os doutores da lei e não foi possível a um desacordo chegar. De início resolveu Cristo o problema da inflação: descobrindo onde estava o petróleo fez com que sumissem com o Alkimim. Ao manifestar o desejo de numa cruz morrer para salvar a humanidade, chamaram depressa um analista. Era mister escolher os apóstolos. Finalmente foram eleitos 4 do P.T.B. + 4 do P.S.D. + 3 do Partido Comunista e apenas 1 da U.D.N. De saída exigiram os apóstolos 1 automóvel, 1 avião + 1 apartamento no Copacabana Palace para quando viessem ao Rio. Foi chegado o tempo de Jesus pregar o Evangelho. Trouxeram-no para o Rio, onde havia ouvintes de casa, fã-clubes + telespectadores. Mas começaram os convites a chegar: uma praça para ser inaugurada, vernissage no Museu de Arte Moderna e entrevistas com jornalistas. Não havia tempo que lhe sobrasse para mais nada. Augusto Frederico Schmidt incumbiu-se dos discursos. Cristo, fiel aos seus princípios não sei deixou contaminar nem pelo biriba nem pelo bridge. Aceitava, no entanto, vez por outra um MALEIRO já que tinha filtro. Não bebia. Um dia apareceu-lhe Flavio de Carvalho e fez com que ele passasse a usar uma túnica curta armada sobre arames como se fosse abajur. E o Mário Pedrosa chamando-o de acadêmico pela tribuna. Um dia Ibrahim Sued fez-lhe uma restrição. Consequentemente, perdeu 20% de seu prestígio. Mesmo assim era convidado para petit-comités.

Uma vez viu um anfitrião sem dinheiro passar pelo vexame de ver seu whisky empalidecer até se tornar água e gelo. Chamado à cozinha fabricou do mais puro Scotch. Já estava com 30 anos, efetivamente o plano de fazer 50 em 5 não era para ele. Em vão postavam-se em filas as debutantes para atacá-lo. Também as senhoras perdiam tempo e dinheiro no Renault. Jesus era um puro.

Passou também a ser triste. Analisou-o o San Tiago Dantas: sofria o desgaste exigido pela própria pureza. Receitaram-no Equanil. Ainda não perdera o poder. Tomara o lotação. Olhou fixamente para o pescoço preto do chofer, o lotação passou a andar de marcha ré. Os passageiros protestaram e fizeram-no descer. Jejuou, disseram que Silk era melhor do que ele. Pregou a pobreza, o embaixador Negrão de Lima já o havia feito antes. Em todo caso, gravou os sermões da montanha num long-play. Foram os discos mais vendidos da semana mas ele duvidou que fossem os mais escutados. Propôs-se gravá-los em ritmo de jazz, o Padre Eterno o aconselhara que fosse totalmente pela pacificação. Um dia encontrou Nossa Senhora no Copa e não a reconheceu.

- Quem és? - perguntou.

- Sou eu, filho. Fiz mechas.

Aproximava-se a data da partida. A hipótese da cruz fora definitivamente afastada. Havia o D.C.7.C. mas já se firmara. Preferia o Rubem Berta que era o homem de “visão”. E daqui se afastou antes que a asiática o pegasse.