Frustração

Sonia Lins

Cansado de aos bípedes tentar, eis que chega Satanás, pertinaz. Sem rabo e sem saber explicar a sua perda, sentia-se como um rádio sem antena, pipocava de ódio. Quis sentar mas medo teve. De bruços talvez melhor se ajeitasse. E assim sentiu o cheiro da terra penetrar-lhe pelas narinas até fazer-lhe cócegas pelas orelhas, peludamente radarizadas. No entanto, o pobre diabo de bruços, não se sentia satisfeito com a sua cor nem com a sua forma. Verde poderia ter sido, como um louva-deus, traria suas mãos erguidas em atitude de prece, mas tudo carece. Que fosse então um homem, e o que traria na cabeça? Um capacete ou um dicionário? E os salários? Como gastá-los? Pergunta 1 ao Alkimim, pequenino ser, alfinim. Poderia se nacionalizar ou seria como o canal de Suez? Ou quem sabe um galo pedrês? Nada com pedestres queria, aceitaria sim uma boa praia, o calor do girassol imenso num azul intenso. Nas suas costas o quebra-mar persistente como uma série de reticências. Velho diabo que com o frio não queria nada, que jamais trocaria Trocaderô com Equador, exigia sim a atmosfera tórrida e reverberante como uma tela de televisão tendo a palavrita mierda escrita em prata em diagonais oscilantes. Mas te manja, renegado que tudo tem sua hora passada. E depois? E depois do depois? Já que aos bípedes cansara de tentar, tricô tentaria tecer. Lã no pescoço como ré (mi, fá, sol) até o dedo castrar. Irremediavelmente para o resto da vida. Mas vida tem resto, pois resto não é o que se dá ao cachorro? E a Eva porque não lhe deram um pente e sim uma serpente? Mente Deus sem imaginação. E sem inspiração, sentado. É verdade que de pernas sempre afastadas, pronto para castigar sem chance perder, não a mim, velho, mas a Françoise Sagan. Perdoá-lo é o que nos resta de todo o resto. E o rosto do diabo sorriu vermelhamente irônico e descuidado sentou-se sobre seu toco de rabo, quiabo! Oh humanidade imorredouramente hemorroidaria!